Por: Brenda Arantes Miranda Pereira e Marcell Fernando Alves Madeira
Breve introdução sobre os meios alternativos:
Judicialização em excesso, processos demorados, gastos que poderiam ser evitados, insatisfação com o resultado: esse é o cenário atual do judiciário brasileiro, resultado de uma cultura que enaltece o litígio e menospreza o diálogo. Com isso, uma possível solução: os meios alternativos de resolução de conflitos, que garantem uma maior celeridade, menos gastos e evitam o trâmite judicial.
No âmbito do direito processual civil, em especial quanto às resoluções de litígios, a doutrina elenca três formas distintas para tal: a autotutela, a autocomposição e a heterocomposição. A primeira remete a tempos antigos, mais precisamente na criação do Código de Hamurabi, onde o famoso jargão “olho por olho, dente por dente” tornou-se conhecido. Esta forma de resolução de conflito tem por premissa que, em caso de uma transgressão do direito alheio, haveria por parte da vítima, o ensejo de realizar ato tão gravoso quanto o cometido pelo agressor para igualar e resolver a disputa criada. Ressalta-se que a autotutela é vedada em nosso ordenamento jurídico, por força do art. 345 do Código Penal, fazendo com que a autocomposição e a heterocomposição sejam as saídas cabíveis em caso de conflito.
Autocomposição e heterocomposição:
A autocomposição tem por princípio o acordo entre as partes em observância ao princípio da autonomia da vontade das partes. Normalmente a mediação e a conciliação repousam nesse ambiente, pois são denominados como métodos consensuais de resolução de conflito, ou seja, onde ocorre o comum acordo dos litigantes sob uma determinada demanda (FILHO, 2016).
Na autocomposição se resguardam dois importantes métodos alternativos de resolução dos conflitos: a conciliação e a mediação. Esta forma de autocomposição é aquela em que as partes, no exercício de suas autonomias da vontade, chegam a uma resolução consensual para a disputa (FILHO, 2016).
No campo da heterocomposição, esta possui dois principais métodos de resolução de conflitos: a jurisdição (método tradicional ao próprio Direito) e a arbitragem (que se encaixa nos métodos alternativos de resolução de conflitos). Esta forma de dirimir conflitos tem por premissa que um terceiro imparcial (um juiz ou um árbitro) julgue e chegue a solução da lide pelas partes, diferentemente da autocomposição onde as próprias partes cheguem a essa solução de forma consensual.
Quais são os meios alternativos?
Os meios alternativos de resolução de conflitos, além de se dividirem entre autocomposição e heterocomposição, conforme elucidado no tópico anterior, se dividem em:
Conciliação:
A conciliação tem por escopo a resolução objetiva da lide pelo conciliador, ou seja, este pode atuar de forma a propor às partes soluções para que se haja a celebração do acordo por elas em consenso. Isto só é possível porque, na maioria das vezes, as partes são pessoas que não possuem vínculo social anterior, possivelmente vindo a se conhecer apenas em função do fato social que gerou a lide entre elas (ex: um acidente automobilístico que será julgado no Juizado Especial Adjunto Criminal – JEACrim).
Segundo a autora Trícia Navarro Xavier Cabral, “na conciliação o conflito é tratado de modo mais superficial e busca-se, primordialmente, a autocomposição, com o encerramento da disputa” (CABRAL, 2017). Deste modo, a conciliação preza por um caráter mais objetivo, tendo em foco sempre a resolução do litígio, sem necessariamente prezar pelo restabelecimento de algum vínculo afetivo anterior entre elas.
Mediação:
A mediação, diferentemente da conciliação, tem a necessidade de que se avalie o contexto, o que ensejou tal problemática ou disputa. Na mediação existe afinidade anterior que culmina em espécie de fato gerador para a causa, e tenta-se garantir que haja o mínimo de comunicação e respeito entre as partes para sua validação. Assim diz a autora Trícia Navarro Xavier Cabral: “além de objetivar a resolução da controvérsia, tenta restaurar as relações sociais entre os envolvidos” (CABRAL, 2017).
Já na mediação, a situação se difere exatamente pela presença de um vínculo afetivo entre as partes, e por isso o mediador atua de forma a tentar restabelecer uma comunicação e comunhão de vontades acerca do caso, para assim chegarem juntos à resolução do litígio, por exemplo, audiências de mediação sobre guarda de menores ou prestação alimentícia entre os progenitores nas Varas de Direito de Família (GONÇALVES, 2016, p. 398-400).
Arbitragem:
Conforme ensina a doutrina processual do Desembargador do TJ-RJ, Alexandre Freitas Câmara, a respeito da mesma:
Como sabido, conflitos que envolvem partes capazes e direitos patrimoniais disponíveis podem ser solucionados através da arbitragem, nos termos da Lei no 9.307/1996. A arbitragem, porém, só poderá ser empregada como mecanismo de resolução do conflito se assim convencionarem as partes (através de alguma das modalidades de convenção de arbitragem: cláusula compromissória ou compromisso arbitral). Convencionada a arbitragem como meio adequado para a resolução do litígio, exclui-se a atuação do Judiciário, que não poderá apreciar o mérito da causa, uma vez que a competência para tal apreciação terá sido transferida, por convenção das partes, para o árbitro ou tribunal arbitral (CÂMARA, 2018, p. 421).
A arbitragem será constituída por apenas um árbitro ou mais, porém sempre em números ímpares, segundo art. 13, §1° da Lei n° 9.307/96, sendo estes previamente nomeados pelas partes na cláusula compromissória, e na ausência de nomeação prévia destes, poderá ocorrer por decisão de Juiz de Direito (art. 13, § 4° da Lei n° 9.307/96), ou mesmo pelas Câmaras de Arbitragem, dependendo de seus regulamentos internos.
Possuem também duas espécies de arbitragem, que exemplificam porque é ela é um método alternativo de resolução de conflitos, onde as partes, dentro da limitação de ter um direito patrimonial disponível e da presença de pessoas capazes, podem flexibilizar algumas escolhas dentro da convenção de arbitragem e das cláusulas compromissórias.
São duas as espécies de arbitragem previstas no art. 2º da Lei n. 9.307/96: de direito ou de equidade, a critério das partes. A arbitragem de direito obriga os árbitros a decidirem de acordo com as normas que integram o ordenamento jurídico pátrio. Para que a sentença arbitral seja válida, o árbitro deve fundamentá-la de acordo com as normas legais. O § 1º do art. 2º prevê que “poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”, e o § 2º autoriza que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. A arbitragem de equidade é aquela que autoriza o árbitro a dar à controvérsia a solução que lhe pareça mais justa, mais razoável, ainda que sem amparo no ordenamento jurídico. Isso só é possível porque os direitos em disputa são patrimoniais e disponíveis. A arbitragem que envolva a administração pública direta ou indireta será sempre de direito, não havendo a possibilidade de os interessados optarem pela de equidade. Além disso, deverão ser observados os princípios da publicidade (GONÇALVES, 2016, págs. 808-809).
ODRs:
Com o advento de difusão da tecnologia, principalmente a internet, no meio social, o Direito por ter um sentido dinâmico e operacional, onde ele interfere no processo social ao passo que necessita da existência de um fato para nascer um direito (REALE, 2001). E nesta esteira sobre os avanços tecnológicos, surgiram as Online Dispute Resolution (ODRs), ou Método Online de Resolução de Conflitos, em tradução livre. Esses métodos se assemelham aos MARCs, porém ao invés da presença física das partes em um fórum ou câmaras especializadas, as audiências e as diligências são realizadas dentro do ambiente virtual através do uso de sites ou aplicativos de celular.
O ODR se constitui, portanto, numa ferramenta de resolução de conflitos com a ajuda da tecnologia, rápida e desburocratizada, pela rede mundial de computadores, em tempo real, com a vantagem ímpar de que podem ser utilizadas abordagens algoritmias e inteligência artificial no auxílio para tomada de decisão (LIMA, 2018, p. 48).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) brasileiro já vinha prestigiando a implementação das ODRs no cenário judicial no país desde 2017, pois na IX edição do prêmio “Conciliar é legal” promovido pelo CNJ, uma empresa de startup denominada MOL – Mediação on line foi premiada na categoria de Mediação e Conciliação extrajudicial (MADEIRA, 2019). Atualmente surgiram pela Resolução n° 345, de 9 de Outubro de 2020 do próprio CNJ, as disposições para a implementação do “Juízo 100% Digital” pelo Judiciário Nacional, o que demonstra que as ODRs são a nova realidade, em especial devido às restrições e desafios impostos pela pandemia da SARS-COVID2 neste ano de 2020. Porém os autores Gabriela Lima Vasconcelos e Gustavo Raposo Pereira Feitosa alertam sobre esta implementação da tecnologia e virtualização do Poder Judiciário.
A resolução de conflitos em rede concretiza o conceito de virtualização do Poder Judiciário, uma vez que viabiliza que todo o procedimento ocorra de forma virtual e mesmo que em determinadas situações as partes acabem optando por dar continuidade ao procedimento de forma presencial. Não se pode considerar virtualização a simples utilização de instrumentos da tecnologia da informação nas salas de audiência tradicionais e fóruns, tais como videoconferências e computadores, ou mesmo a digitalização dos processos. O avanço na matéria da solução de conflitos online se dá não só no aprimoramento do processo eletrônico para que este passe a se desenvolver de forma cada vez mais virtualizada, mas, e principalmente, na elaboração de todo um novo procedimento para a solução online dos conflitos (VASCONCELOS LIMA & FEITOSA, 2016, p. 62).
E mais adiante no mesmo trabalho, os autores abordam as problemáticas no âmbito social, que juntamente com os próprios desafios do Poder Judiciário para uso da tecnologia, são tão ou mais importantes. É necessário que juntamente com a implementação das ODRs, haja também a capacidade de participação e inclusão das pessoas que procuram a Justiça, garantindo o pleno acesso à justiça e efetividade deste modelo.
A familiaridade das partes para lidar com dispositivos digitais e o acesso à internet representa um problema especialmente importante no Brasil. O país ainda sofre de grandes disparidades sociais e apenas metade da população afirma ter acesso à internet. Contudo, tendo em vista o acelerado crescimento da difusão da utilização da internet, em especial com uso de dispositivos móveis, há uma tendência a mitigação do déficit tecnológico. A falta de marcos legais claros gera relativa insegurança, todavia não impediu o avanço das experiências de ODR no setor privado. O maior problema relacionado a esta carência ocorre no setor público, vinculado a procedimentos mais rígidos e limitados quanto ao ratamento dos conflitos. A dificuldade poderá se reduzir com o avanço de políticas governamentais baseadas nos usos da ODR e com a expansão acelerada da internet e demais formas de interação por meio das novas tecnologias da informação e da comunicação (VASCONCELOS LIMA & FEITOSA, 2016, p. 68).
Em suma, as medidas do uso das ODRs, junto com as MARCs, devem ser sempre associadas a figura do Acesso à Justiça idealizado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth na obra que leva o mesmo nome de 1988. Ao explicarem as “ondas” do Acesso à Justiça, em especial a terceira onda, os autores escrevem acerca da necessidade de que sejam criadas novas formas de provimento do acesso à justiça além do judiciário como ente físico, de fora das suas “portas”, e também a desburocratização de atos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 25-27). Só quando houver a comunhão entre estes pontos é que será possível vislumbrar um modelo útil, difundido e usável para todos.
Validade desses meios:
Além dos casos em que o juiz julga o pedido (procedente ou improcedente), casos há em que o mérito da causa se resolve sem que ocorra efetivamente um julgamento. São os casos em que as partes alcançam a solução do conflito por autocomposição, incumbindo ao juiz tão somente verificar a validade do ato pelas partes celebrado e, constatada a inexistência de vícios, promover sua homologação. Pois é isto que acontece quando o juiz homologa o reconhecimento da procedência do pedido, a transação ou a renúncia à pretensão, fenômenos que só podem ocorrer validamente se o direito material deduzido no processo admite autocomposição. O reconhecimento da procedência do pedido é o ato pelo qual o demandado (réu ou autor-reconvindo) dá razão ao autor, afirmando expressamente que a pretensão do demandante (autor ou réu-reconvinte) é fundada e deve ser acolhida. Nesse caso, quem afirma ser procedente o pedido formulado pelo demandante não é o juiz, mas o demandado, e a sentença é meramente homologatória do reconhecimento. Tal sentença, porém, é em tudo e por tudo equivalente a uma sentença de procedência do pedido. A transação, por sua vez, é o negócio jurídico por meio do qual as partes, através de concessões mútuas, põem fim ao seu conflito. Neste caso, incumbe ao juiz proferir sentença homologatória da transação, a qual corresponde rigorosamente a uma sentença de procedência parcial, sendo certo que o conteúdo daquilo que ao demandante será reconhecido resulta do negócio jurídico celebrado pelas partes (e não do julgamento do juiz).
Se tratando de mediação, por força do parágrafo único do art. 20 da Lei 13.140/2015, “o termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial”.
Falando sobre arbitragem, por força do art. 31 da Lei 9.307/1996, “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.”
Se tratando de autocomposição, o §11 do art. 334 do CPC diz que “a autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.” Logo, em decorrência da homologação, este se tornará título executivo judicial.
Quanto aos outros meios, havendo a assinatura de ambas as partes e de duas testemunhas, por força do inciso III do art. 784 do CPC, tratar-se-á de título executivo extrajudicial; se homologado pelo juízo, tratar-se-á de título executivo judicial.
Apps de ODRs:
Abaixo temos o Radar de Lawtechs e Legaltechs feito pela AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), com foco na resolução de conflitos online:
Figura 1 – Resolução de conflitos online da AB2L
6 – CARTILHAS E MANUAIS
Abaixo temos o link para cartilhas e manuais sobre o tema produzidas pelos mais diversos órgãos, como OAB e CNJ:
MADEIRA, Marcell Fernando Alves. A conciliação como instrumento de acesso à justiça e o uso da tecnologia para sua efetivação. 2019, 57 f.Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal Fluminense, Macaé, 2019. Disponível em: https:// app.uff.br/riuff/bitstream/1/11011/1/TCC%20-%20MARCELL%20MADEIRA%20%283%29.pdf. Acesso em: 15 nov. 2020
VASCONCELOS LIMA, Gabriela; FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira. ONLINE DISPUTE RESOLUTION (ODR): A SOLUÇÃO DE CONFLITOS E AS NOVAS TECNOLOGIAS. Revista do Direito. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 50, p. 53-70, set./dez. 2016.
Sabemos que o direito acompanha as mudanças sociais e econômicas de seu país, bem como leva em consideração suas relações internacionais. Não é uma coincidência as legislações brasileiras sobre propriedade industrial, intelectual e de software terem sido atualizadas logo após o surgimento da Organização Mundial do Comércio em 1994, visto que é de suma importância para o mundo a proteção dos bens intangíveis. No entanto, no atual nível informacional e globalizado do mundo, é no mínimo inocente concluir que a velocidade das normas está equiparada à da prática.
O ramo do direito imaterial, mais especificamente o de propriedade intelectual, nasceu da necessidade de proteger uma criação, como principal finalidade a sua monetização. Existe todo um sistema a nível global voltado à proteção dos direitos envolvendo esse desdobramento específico.
CONTEXTUALIZAÇÃO ATUAL
Nos termos da Convenção que instituiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, assinada em 1967, o art. 2º, VIII enumera os vários objetos de proteção desse tema, foquemos em “invenções em todos os domínios da atividade humana”: a Lei 9.609/98 dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, contudo, o machine learning, ou aprendizado de máquina, age em cima de um aprendizado exponencial, apoiado em informações prévias e análise de comportamentos, comportando-se de modo independente das instruções e algoritmos originais.
Nesse contexto, o autor humano não tem domínio sobre as ações e as produções da inteligência artificial, pois a máquina agora pode criar de forma independente ao que o criador do programa elaborou. O desafio, então, é saber a quem atribuir a autoria da obra. No Brasil, a lei define a pessoa física como o autor de uma obra, ou seja, um robô não poderia ser detentor dos direitos autorais, recaindo sobre seu criador, o qual pode ter contribuído com nada ou quase nada à obra finalizada. Também tem se discutido, sobre criar uma pessoa jurídica para os robôs, a chamada pessoa eletrônica, contudo essa vertente é minoritária.
Cabe citar “Sunspring”, um curta-metragem que chamou atenção no festival Sci-Fi London por concorrer a uma categoria onde o desafio foi o de produzir um curta em até 48 horas. Foi revelado posteriormente que o roteiro e a letra da trilha sonora foram inteiramente criados por um sistema de inteligência artificial conhecido na época como Jetson.
SOB A LENTE DO DIREITO COMPARADO
Em nações como os Estados Unidos, a União Europeia e a Austrália, o posicionamento frente às obras criadas por I.A. é de que não poderão ser registradas em nome destas, pois os direitos autorais pertencem à pessoa física. Em contrapartida, na China, a corte da cidade Shenzhen decidiu em benefício da empresa de tecnologia Tencent, decidindo que a inteligência artificial chamada de Dreamwriter (que escreve notícias sobre finanças e esportes) é a real autora do conteúdo criado.
Em se tratando da classificação das obras criadas por inteligência artificial, há uma vertente que defende o domínio público, ocasionando na ausência de proteção pelos direitos autorais. Ao tomarmos essa postura, haverá um grande enfraquecimento do desenvolvimento de inovações no campo de inteligência artificial. Causaríamos, assim, a ausência de novos investimentos no campo do deep learning, visto que não haveria interesse pecuniário sobre o resultado final.
A legislação comparada pode ser uma alternativa. Segundo o Copyright, Designs and Patents Act, no Reino Unido, “nos casos de criação de trabalhos literários, dramáticos, musicais ou artísticos por computadores, o autor será a pessoa que fez os arranjos necessários para a criação da obra em questão”. Ou seja, a propriedade intelectual é atribuída a uma pessoa física que possibilita a criação da obra pelo computador, não à máquina, podendo o autor ser o programador ou mesmo alguém que inseriu dados ou definiu diretrizes que levaram à criação da obra tal como se deu.
DESAFIOS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Á medida em que a inteligência artificial e o machine learning forem se desenvolvendo e evoluindo ao transcender a instruções originais, criar e adotar diretrizes próprias, será cada vez mais desafiador identificar o indivíduo por trás colaboração com a criação de uma obra específica.
Os avanços tecnológicos necessitam de uma regulamentação específica que garanta sua eficiência no mercado e segurança jurídica perante terceiros. Os governos locais de grandes mercados para empresas de tecnologiade grande porte vêm sendo pressionados a elaborar leis que regulamentem minimamente sua atuação nesse sentido.
No Brasil, o Projeto de Lei nº. 5.051/2019 visa a estabelecer os princípios para uso da Inteligência Artificial, e o PL nº 5.691/2019 institui a Política Nacional de Inteligência Artificial, para equilibrar as vantagens e os riscos de sua adoção. Esses projetos de leis são breves e trazem somente sete artigos cada, levando em consideração a preliminar de que essas inovações deverão servir aos indivíduos e respeitar os princípios constitucionais da dignidade e direitos humanos, além da proteção de dados pessoais e privacidade. Os projetos ainda estão em tramitação e mesmo após sua aprovação, regulamentações mais específicas serão necessárias.
O magistrado é o último guardião da solução do conflito, é necessária sua preparação mediante lacuna da lei, diante da situação do caso concreto, da melhor forma possível, mesmo porque o artigo 126 do CPC, como é sabido, diz que o juiz não se exime de julgar mesmo nos casos em que não há expressa previsão legal para tratar sobre determinada matéria. O jurista José Barbosa Moreira critica a falta de renovação por parte do magistrado, pois de nada adianta uma legislação moderna se os olhos dos juízes e operadores estiverem voltados ao passado.
Entender e aplicar propriedade intelectual no tocante à inteligência artificial, machine learning e robôs criativos é uma problemática relevante. Esse emaranhado de questões ainda não foi abordado no direito brasileiro e quando o for, revolucionarão os conceitos de autor e de obra. A legislação comparada pode ser uma alternativa, desde que bem aplicada mediante as lentes da antropofagia jurídica para adequar as particularidades do ordenamento jurídico do Brasil.
SUGESTÕES
Youtube: Webinar Tecnologia e Direito no sec. XXI (https://www.youtube.com/watch?v=ebYo0Ig_jJs)
Por que se pensou em uma lei para proteção de dados?
Devido a maior acessibilidade das pessoas à internet e a crescente popularidade das redes sociais, nota-se que cada vez mais nos encontramos expostos e vulneráveis no mundo virtual, em especial os nossos dados, isto é, “informações” que geramos ao navegar na internet, como nossas buscas no google por exemplo.
O processamento destes dados, pode vir a monitorar os nossos hábitos e mapear as nossas reações e caso seja feito em grande escala pode monitorar todas as demandas de um nicho específico da população ou até ela por completo.
Atualmente, tem sido noticiado um considerável crescimento nos casos de vazamento de dados que podem ser utilizados na prática de atos ilícitos. Além disso, a junção destas informações podem, também, vir a ser utilizada por empresas para diversos tipos de análise, sem quaisquer regulamentação ou monitoramento.
Por conta destes eventos e os riscos provenientes destes vazamentos, o parlamento brasileiro elaborou a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13 709), tendo como base a experiência da união europeia, que aprovou sua regulamentação em 2016 (O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – GDPR).
Para que serve a LGPD?
O foco principal da LGDP é proporcionar transparência no tratamento de dados das pessoas físicas em quaisquer meios, no intuito de proteger o titular de eventuais abusos ou usos ilegítimos de seus dados pessoais. A lei também prescreve a utilização de sanções como multas, quando necessário, para garantir o seu cumprimento, em especial, por parte das empresas que se utilizam destes dados.
Quais são os tipos de dados?
O artigo 5º da lei apresenta a definição de certos elementos cruciais para discussão de proteção de dados, entre estas, encontram-se a distinção dos diversos dados que estão disponíveis em âmbito virtual. Pode-se classificar os dados em três categorias; como dados pessoais, dados sensíveis ou dados anonimizados.
Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:
– dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;
– dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;
– dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;
Qual a diferença entre tratamento e uso compartilhado de dados?
É possível diferenciá-los a partir dos conceitos expressados no artigo 5º.
Art. 5 Para os fins desta Lei, considera-se:
X – tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração;
XVI – uso compartilhado de dados: comunicação, difusão, transferência internacional, interconexão de dados pessoais ou tratamento compartilhado de bancos de dados pessoais por órgãos e entidades públicos no cumprimento de suas competências legais, ou entre esses e entes privados, reciprocamente, com autorização específica, para uma ou mais modalidades de tratamento permitidas por esses entes públicos, ou entre entes privados;
E quanto a aplicação da lei? Tem limites na jurisdição brasileira?
O artigo 3º prevê os cenários que possibilitam a aplicação da lei. Em seu caput, assegura a eficiência da proteção de dados a qualquer operação de tratamento realizada por pessoal natural ou por pessoa jurídica de direito público, independentemente do meio, do país, de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados.
Os incisos I e III levam em consideração a nacionalidade, tanto do local que irá executar o tratamento dos dados quanto onde será coletado os dados. Especificamente:
I – a operação de tratamento seja realizada no território nacional;
III – os dados pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional.
Entende-se que devido ao avanço cibernético, as noções tradicionais de jurisdição e territorialidade no Direito foram consideradas ultrapassadas. Portanto, o inciso II do art. 3 da LGPD se tornou um marco no que se diz à atos praticados fora do território, em um contexto de globalização digital. Ou seja, este inciso é uma expansão da aplicação da lei para além das fronteiras brasileiras, não leva em conta a nacionalidade.
II–a atividade de tratamento tenha por objeto a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados de
indivíduos localizados no território nacional (Redação dada pela Lei n. 13.853, de 2019); ou
Diferente dos outros incisos, o requisito se dá pelo fato do indivíduo – sendo nacional ou não – estar localizado em território brasileiro, não se importando do local onde que se dá o tratamento de seus dados – podendo ser para além das fronteiras.
Contudo, mesmo sendo uma inovação jurídica, é importante ressaltar que a eficácia da aplicação da lei em território estrangeiro não é a mesma em comparação com a do território nacional, visto que o Estado brasileiro não pode aplicar sanções em outras jurisdições. Dessa forma, para que se tenha o exercício de suas penalidades, terá que passar por um processo burocrático – e as vezes demorado – de cooperação internacional.
Quais são os princípios que norteiam a LGPD?
São 10 princípios, todos elencados no artigo 6º da lei.
Princípio da finalidade
O dados pessoais devem ser tratados para finalidades legítimas, específicas e explícitas. Além disso, o tratamento escolhido deve ser informado previamente ao titular.
Princípio da adequação
Como o nome diz, os dados coletados devem ser adequados em relação com a finalidade do tratamento previamente informado ao titular. Ou seja, deve estar de acordo com o contexto do tratamento
Princípio da necessidade
Está diretamente ligado ao princípio da finalidade e da adequação. Este princípio prevê que apenas os dados mínimos necessários para a realização de suas finalidades devem ser coletados. Dessa forma, os dados excessivos serão ignorados e somente os dados indispensáveis – que venham a ser pertinentes e proporcionais ao contexto do tratamento – serão coletados.
Princípio do livre acesso
Garante aos titulares a consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento de seus dados. Como o princípio da qualidade dos dados, também garante que os dados sejam respeitados em sua integralidade, que sejam verídicos e que correspondam à forma que se foi utilizado.
Princípio da qualidade dos dados
Requer que os dados colhidos sejam exatos, claros e relevantes de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento. O princípio também se mantém quanto à atualização destes dados.
Princípio da transparência
Fundamento que permite os titulares a terem informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a operação do tratamento de seus dados e dos respectivos agentes de tratamento, salvo os segredos comerciais e industriais.
Princípio da segurança
É o princípio que discorre da necessidade de proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda,
alteração, comunicação ou difusão. Logo, é necessário a utilização de medidas técnicas e administrativas que proporcione segurança à estes dados.
Princípio da prevenção
Ligado ao princípio da segurança, este prevê a adoção de medidas a fim de prevenir a ocorrência de possíveis danos em virtude do tratamento de dados pessoais.
Princípio da não discriminação
Os dados coletados não podem, de maneira alguma, serem utilizados para fins discriminatórios, ilícitos ou abusivos. Este princípio também prevê quanto ao manuseio dos dados, impedindo que este seja feito de forma discriminatória.
Princípio da responsabilização e prestação de contas.
Requer do agente responsável ao tratamento de dados a demonstração do acolhimento de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e cumprimento das normas de proteção de dados pessoais, além de comprovar a eficácia das medidas adotadas.
E afinal, quais são os direitos dos titulares assegurados pela lei?
O titular é pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento. Ou seja, é o indivíduo que navega pelo ciberespaço.
Direito à confirmação do tratamento de dados (art. 18,I)
Devido ao princípio da transparência, o agente do tratamento só poderá tratar ou coletar os dados do titular mediante a sua confirmação. Para se obter a confirmação do titular, é preciso que o agente comunique informações claras quanto à operação que virá a ser executada com os dados fornecidos e alerte em caso de compartilhamento, salvo se for segredo comercial ou industrial.
Direito ao livre acesso aos dados (art.18, II)
Por conta do livre acesso aos seus dados, os titulares tem como assegurar, dessa maneira, que seus dados estão sendo processados de forma segura, verídica e cumprindo com a sua finalidade.
Direito à correção de dados incompletos (art.18, III)
Direito decorrente do princípio da qualidade dos dados, é a possibilidade de corrigir dados incompletos, inexatos ou desatualizados.
Direito à anonimização (art.18, IV)
A anonimização, à luz do art.5, é quando se utiliza meios técnicos adequados e disponíveis no momento do tratamento para que um dado perca a possibilidade de associação, direta ou indireta de seu titular. Dessa forma, o art. 18, IV assegura ao titular a possibilidade de solicitar que seu dado se comporte de maneira anônima em casos que o controlar necessite apenas da informação estatística de seu dado, tornando inviável a sua identificação.
Direito ao bloqueio (art.18, IV)
É um direito compartilhado pelo titular e a Autoridade Nacional (que o utilizado como um meio de sanção). O bloqueio é a suspensão temporária de qualquer forma de tratamento de dados pessoais ou banco de dados.
Direito à eliminação (art.18,IV e VI)
A eliminação é a exclusão de um dado ou de todo um banco, independentemente do procedimento empregado. Uma vez eliminado, o dado não poderá retornar à coleta ou tratamento, é uma operação irreversível. Nesta esteira, o titular tem o direito de eliminar seus dados em três situações. Primeiramente, é previsto no inciso VI, nos casos em que os dados pessoais, mesmo tratados com consentimento, podem ter excluídos, salvo hipóteses previstas no art. 16. Deve ser feita de forma expressa. Já o inciso IV apresenta os outros dois casos de eliminação, podendo ser feita em dados desnecessários, excessivos ou tratados com desconformidade com o disposto na lei.
Direito à portabilidade (art. 18, V)
A portabilidade, feita de forma gratuita e expressa, garante a transferência dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto de acordo com a regulamentação da autoridade nacional, exceto em casos de segredo comercial e industrial. Este direito reforça a habilidade do titular de gerenciar e reutilizar seus dados de forma livre.
Direito à informação sobre a possibilidade de não fornecer consentimento (art. 18, VIII)
O titular deve ser informado sobre as conseqüências negativas se não vier a fornecer consentimento da coleta ou tratamento de seus dados, como por exemplo, a não prestação do serviço solicitado.
Direito à revogação do consentimento (art. 18, IX)
O titular pode revogar, no momento que quiser, revogar expressamente o seu consentimento. Esta revogação será feita gratuitamente e por procedimento facilitado, ou seja, não precisa ser escrito necessariamente.
Direito à explicação de decisões automatizadas (art. 20 § 1º)
Atrelado ao princípio da transparência, o controlador1deverá fornecer, sempre que solicitado, informações suficientemente claras e inteligíveis a respeito dos procedimentos ou critérios utilizados para a decisão automatizada.
Direito à revisão de decisões automatizadas (art. 20)
O titular tem direito de demandar a revisão, de uma decisão totalmente automatizada que possa ter um impacto nos seus interesses, principalmente os relacionados à definição de seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade.
Esta revisão poderá ser feita tanto por outro sistema automatizado ou por percepção humana, visto que o artigo não detalha as condições da revisão. No texto original da lei, estava explicitado que a revisão seria feita por indivíduos, conforme é feita por outras legislações internacionais e na GDPR do qual a lei se inspirou. Porém, os vetos presidenciais realizados no PLV nº 07/2019 omitiu a palavra “humana” e por consequência, se a revisão for realizada por outro sistema automatizado pode vir a prejudicar a transparência e a concretizaçãoi de um direito à explicação consistente.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BRANCO, Sérgio. AshipótesesdeaplicaçãodaLGPDeasdefiniçõeslegais. In: A LGPD e o novo marco normativo no Brasil / organização Caitlin Mulholland. Porto Alegre: Arquipélago, 2020
SOUZA, Carlos Affonso; MAGRANI, Eduardo; CARNEIRO, Giovana. LeiGeralde Proteção de Dados Pessoais: uma transformação na tutela dos dados pessoais. In: A LGPD e o novo marco normativo no Brasil / organização Caitlin Mulholland. Porto Alegre: Arquipélago, 2020
SILVA, Priscilla Regina. Osdireitosdostitularesdedados. In: A LGPD e o novo marco normativo no Brasil / organização Caitlin Mulholland. Porto Alegre: Arquipélago, 2020
No post anterior, foi-se explicitado como a utilização da Inteligência Artificial auxilia e inova o emprego do Direito. Porém, é de suma importância ter um olhar crítico quanto à esta tecnologia, se afastando da visão ultrarromântica.
A modernização de uma máquina, que aprende novas soluções a partir de sua própria execução, traz autonomia e até uma certa imprevisibilidade das ações geradas por algumas I.A’s. Ademais, o seu advento possibilitou os meios necessários para afastar condutas da identidade individual do seu usuário ou desenvolvedor.
Por exemplo, ilustra-se o fenômeno dos V-Tubers (youtubersque se utilizam de avatares digitais gerados por computação gráfica, que podem alterar feições e a voz) e um caso em 2018 no Japão, em que fãs da V-Tuber Nora Cat descobriram que “ela” seria, na verdade, um homem através de um erro no seu software.
Neste post, iremos destrinchar brevemente o outro lado da Inteligência Artificial, quando esta é utilizada para auxiliar na prática de atos ilícitos.
DEEPFAKES
Celebridade na época de eleições, pandemia COVID-19 e conversas familiares nas reuniões de domingo, a Fake News é um elemento intrínseco à cultura digital. As notícias inverossímeis sempre ocorreram, porém é inegável que o interesse de “fabricá-las” em massa, para se atingir alguma meta, se tornou popular por conta da facilidade algorítmica e a liberdade de divulgação de quaisquer conteúdo on-line, em especial nas redes sociais.
Tenha-se em mente (Pode ser feita a seguinte analogia, a Fake News em si seria um roteiro e a Deepfake a produção cinematográfica do filme, baseado neste roteiro.) a Fake News como um roteiro e a Deepfake como a produção cinematográfica deste. Através da manipulação de imagem, som e vídeo de maneira absurda, as deepfakes conseguem tornar uma notícia falsa, de forma que é quase impossível de se perceber em uma leitura artificial.
O intuito, na verdade, é refinar e sofisticar a adulteração de notícias verdadeiras, visto que a disseminação Fake News, mesmo que das mais precárias, tem um enorme poderde decidir eleições governamentais, por exemplo, como pôde ser observado ao redor do mundo nas últimas eleições presidenciais.
O avanço da tecnologia de Inteligência Artificial foi o responsável porproporcionar estes meios sofisticados de manipulação de vídeo, áudio e imagem. E este desenvolvimento, como enxergamos ao redor, é desenfreado. Por exemplo, atualmente, consegue-se até clonar a voz de uma pessoa em apenas 5 segundos de conversa. O que será que poderemos fazer daqui a 2 anos?Logo, um dos maiores riscos ilícitos com auxílio de I.A. é a circulação volumosa de deepfakes visto que a tendência é tornar esta tecnologia cada vez mais acessível e barata.
OUTRAS FORMAS DE CIBERATAQUES
A adulteração de voz não serve apenas para a divulgação em massa de deepfakes. Como visto na notícia acima, criminosos usufruem deste conhecimento para inovar golpes antigos como a fraude, extorsão, falso sequestro e roubos.
A Inteligência Artificial além de prover os meios, também, acoberta e torna o crime lucrativo, de certa forma. Afinal, esta inovação possui uma estrutura complexa de detecção e por se tratar de um crime virtual com alto índice de compartilhamentos, certos golpes são até vendidos como se fossem um tipo de serviço.
RECONHECIMENTO FACIAL
A Inteligência Artificial, na gama de suas diversas ferramentas, apresenta o reconhecimento facial. É dessa forma que é possível o Facebook sugerir que você marque seu colega exatamente no rosto dele apresentado na foto em grupo que irá postar. E constantemente nós atualizamos o nosso reconhecimento facial, ao se utilizar de testes (O famoso “Qual seria a sua aparência se você fosse do gênero oposto?”) ou fotos do Facebook, confirmações de contas no banco e por câmeras públicas que permitem o monitoramento policial.
O perigo mora na técnica de policiamento preditivo, o qual é um sistema gerado por Inteligência Artificial que pretende prever onde um crime pode ocorrer e até quem poderá estar envolvido nele. Para chegar neste resultado, é necessário que se alimente o sistema com dados baseados nos lugares – se utiliza aqueles que possuem um maior índice de ocorrência de delitos – e em perfis pessoais – dados pessoais dos agentes que foram presos anteriormente. Simples, rápido e feito de forma neutra, não?
De fato, hoje em dia atribuir certos dados em um sistema é um processo simples e as previsões geradas por estes seriam feitas de maneira célere. Porém, seria um equívoco afirmar que este processo é realizado de uma visão neutra, que não carrega aspectos morais e preconceitos. Afinal, os dados seriam atribuídos pelos próprios policiais que em seu inquérito, experiência de ofício veio a deter seu próprio método pessoal para solucionar o crime, embasado em seus valores e crenças.
Neste momento, é importante frisar a utilização de criminalização secundária nestes sistemas. Conceito elaborado pelos doutrinadores de Direito Penal: Nilo Batista e Eugenio Zaffaroni, sendo esta a atribuição da execução de certos crimes à um grupo a partir de estereotipação social do criminoso, recorte negativo respaldado por divulgação midiática. Este fenômeno ocorreu devido a capacidade escassa de apreensão de criminosos por parte das delegacias, por isso se faz esta pré-seleção.
Dessa forma, o policiamento preditivo pode vir a reforçar estereótipos na sociedade, mesmo não sendo feita de forma intencional e, consequentemente, vir a auxiliar naexecução apreensões injustas.
ÉTICA
Para definir o embate ético que decorre ao uso de inteligência artificial, irei responder dois questionamentos pertinentes realizados pela professora Bianca Kremer:
O que se considera como um problema? Quais são os valores embutidos para solucionar este problema?
Entende-se que as inovações tecnológicas derivam de demandas da sociedade, pela busca de soluções de problemas. No entanto, a definição de “problema” pode variar muito de acordo comdiferentes culturas, idades, interesses pessoais e até mesmo gestão de países. Por exemplo, o terrorismo é um problema contemporâneo e a utilização de reconhecimento facial auxiliaria a solução deste problema. Mas como se define o perfil de um terrorista? Para o Governo Chinês, a religião é um critério essencial e a partir deste pretexto, utiliza de reconhecimento facial para perseguir minorias muçulmanas, da etnia uigure, em sua região ocidental. Dessa forma, pode-se concluir que para o Governo Chinês, ser muçulmano faz parte do problema o que desencadeia a violação de uma série de direitos fundamentais. Dessa maneira, como solução do problema é preciso tomar cuidado com a falsa pretensão de que a tecnologia é desenvolvida e realizada para a universalidade, supostamente embrenhada de responsabilidade social.
Como explicitado no tópico de reconhecimento facial, a criação ou o uso de uma Inteligência Artificial parte por esses algorítmicos, que de forma não intencional reforçam valores individuais. Ainda nesta esteira, temos como exemplo a polêmica recente envolvendo o Twitter,quanto à priorização de seu algoritmo em fotos que apresentam pessoas brancas em detrimento de negras. Em outras palavras, caso fosse postada uma foto com duas pessoas, uma branca e uma preta, nas extremidades do quadro, somente seria mostrado na timeline o rosto da pessoa branca, dentro do espaço disponível para mídias dentro do tweet.
Contudo, não podemos descartar a possibilidade de que estes valores sejam atribuídos aos algoritmosde forma intencional, tendo por finalidade uma manutenção da hierarquia sociale reprodução de valores preconceituosos e nocivos da sociedade, em detrimento das minorias ou grupos mais vulneráveis.
ANTICONCORRENCIAL
Monitorar a concorrência, acumular dados de consumidores e fornecedores em apenas um clique. Atribuir decisões estratégicas dentro de uma empresa nunca foi tão fácil devido ao emprego de inteligência artificial. Aliás, também nunca se teve tanta facilidade para cometer práticas anticompetitivas de mercado.
Os usos ilícitos comuns de Inteligência Artificial no ambiente concorrencial são mais frequentesna elaboração refinada de discriminação de preços e a possibilidade de se acordar à praticar um ato anticompetitivo fora do “radar” do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Quanto aos preços, primeiramente, expõe-se que a otimização gerada pela Inteligência Artificial com a possibilidade de monitoramento da concorrência, possui resultados parecidos com cartéis tradicionais de preços supracompetitivo, entre outras elaborações refinadas de discriminação de preços.
Ainda se referindo ao valor monetário de um produto, através de big data, as empresas conseguem estipular um perfil comportamental do consumidor. Dessa forma, emprega-se uma propaganda específica quanto aos perfis individuais que venham a mostrar preços diferentes sobre um mesmo produto.
Atualmente, a obtenção massiva de dados se tornou uma nova dimensão de lucro e nota-se que grandes plataformas como Google, Amazon e Facebook se encontram em posições deslealmente privilegiadas em relação com as outras empresas. Cabe salientar, também, que as empresas podem manipular seus algoritmos para que a Inteligência Artificial aja de maneira anticoncorrencial de formas diversas. Como por exemplo, o caso de 2017 o qual a Google foi acusada de favorecer vídeos do seu conglomerado, como Youtube e outros serviços seus em detrimento de outros sites.
RESPONSABILIDADE JURÍDICA
Não há como pontuar todas as novas demandas ocasionadas pela imersão das atividades realizadas por Inteligência Artificial, este leque varia entre temas de Direito Autoral, Direito Concorrencial, Direito Internacional, Direito Penal e entre estes, a necessária discussão sobre Responsabilidade Jurídica da Inteligência Artificial.
Existe a possibilidade de uma Inteligência Artificial possuir responsabilidade jurídica por conta de suas ações ilícitas? Ou seria o desenvolvedor da IA o responsável?O elevado grau de independência destes sistemas resultam em ações proporcionalmente imprevisíveis, logo, poderia o usuário ou o programador alegar a imprevisibilidade para se isentar de eventual responsabilidade?
A questão é que há uma lacuna no ordenamento brasileiro, colocando em xeque os elementos tradicionais de responsabilidade jurídica, que não se atém a estas complexidades. Como qualificar culpa em uma Inteligência Artificial? A Inteligência Artificial precisaria possuir algum tipo de personalidade jurídica para responder por suas ações? Como diferenciar uma conduta imprevisível de um erro técnico de programação ou manutenção do sistema?Como identificar que aquela conduta errante da máquina seria efetivamente criminosa? Seria justo, também, o fabricante da I.A. responder por todas as suas ações?
Todas estas questões permanecem sem resposta, cabendo ao legislador brasileiro observar a necessidade de criação de legislação a fim de sanar todos estes questionamentos, trazendo maior segurança, inclusive, jurídica para o universo das IAs no Brasil.
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